Leandro Ferrão aip sobre "Banzo", selecionado para o Camerimage 24

23 outubro 2024

leandro ferrao aip

Leandro Ferrão aip

"O sucesso de um Diretor de Fotografia é proporcional ao sucesso do filme em que colaborou" e o filme Banzo acabou de ser escolhido na categoria Cinematographers' Debuts Competition no festival internacional de cinema, o Energa Camerimage. Esta competição é da responsabilidade da Polish Filmmakers Association num festival com grande impacto na industria do cinema.

Para quem não sabe, Banzo passa-se em 1907. Afonso recomeça a vida numa ilha tropical ao largo da costa africana, como médico de uma plantação. É encarregado de tratar os criados “infectados” pelo Banzo, uma profunda saudade de casa, fatal para muitos escravizados, que sucumbem à fome ou suicidam-se. Para evitar a propagação, o grupo é enviado para um monte isolado, cercado por uma floresta. Afonso tenta curá-los, mas a compreensão dos seus espíritos é um desafio mais forte do que qualquer intervenção médica.

Realizado por Margarida Cardoso com a direção de fotografia de Leandro Ferrão aip. Produzido pela Uma Pedra no Sapato em 2024 em Portugal, França e Holanda.

Assim que surgiu no nosso radar, quisemos saber algumas curiosidades sobre o filme e convidámos o nosso associado a responder a algumas perguntas. Deixamos aqui um pedido, em prol do registo, do arquivo e da história para a cinematografia portuguesa, aos nossos associados para que nos enviem toda a informação dos seus trabalhos. Somos muito curiosos pelo trabalho dos diretores de fotografia e da sua equipa com os realizadores e produtoras com quem trabalham. Dito isto, segue então a entrevista.

aip: Como surgiu a oportunidade de fotografares este filme?
 
Leandro Ferrão: Fui convidado pela realizadora Margarida Cardoso, com quem já tinha uma ligação anterior. Ela foi minha professora, e ao longo do tempo, acompanhou de perto o meu trabalho. Essa familiaridade com o meu estilo e a minha abordagem à cinematografia abriu a porta para esta colaboração em Banzo.


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aip: Como foi encontrada a cor do filme?
 
LF: A cor de Banzo foi desenvolvida em estreita colaboração com a colorista Isabelle Julien. Antes das filmagens, trabalhámos com referências visuais e diferentes LUTs para já termos uma direção clara para a estética visual. Depois, na pós-produção, refinámos esse trabalho no processo de grading, onde ajustámos e aperfeiçoámos as tonalidades para alcançar a atmosfera que procurávamos para o filme. Foi um processo contínuo, que começou antes das filmagens e culminou na pós-produção.

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aip: Fizeste testes de equipamento? Qual foi a câmara/objetivas usadas?
 
LF: Sim, fiz alguns testes de equipamento, juntamente com a minha primeira assistente, Selma Lopes. Optámos pela Sony VENICE, principalmente pela sua versatilidade e sensibilidade, o que era essencial em São Tomé, onde o acesso a equipamentos era limitado. Para as objetivas, escolhemos as lentes Master Prime anamórficas, que são muito luminosas e não possuem uma personalidade exagerada. Isso permitiu-me compor em 2.40:1 e utilizar ao máximo a luz natural, além de trabalhar com pouca luz artificial, o que tornou esta escolha de equipamento crucial para o filme.

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aip: Foi difícil manter o equilíbrio de luz na pele dos atores? Em relação à maquilhagem.
 
LF: Sim, foi bastante desafiador manter o equilíbrio nos tons de pele dos atores, especialmente porque havia uma grande diversidade entre eles. A maquilhagem desempenhou um papel fundamental para alcançar o brilho e a textura que pretendíamos. A nossa maquilhadora, Marly, foi incrível ao adaptar-se às exigências de luz e aos diferentes tipos de pele, ajudando a criar uma uniformidade visual que funcionou perfeitamente para o projeto.

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aip: As escolhas das cores do guarda-roupa, como surgiram?
 
LF: As escolhas de guarda-roupa foram feitas pela Margarida Cardoso e pela Silvia Grabowsky. Embora eu tenha tido pouca influência direta nesse processo, realizei alguns testes com texturas e materiais para entender quais funcionariam melhor com a câmara e as lentes escolhidas. Era importante para mim que o filme tivesse um visual rico em texturas, e esses testes ajudaram a garantir que o guarda-roupa contribuísse para a estética que procurávamos.

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aip: A luz usada foi quase sempre luz natural? Como foi o equilíbrio entre a luz natural e as cenas com a luz artificial?
 
LF: Nos exteriores diurnos, utilizei muita luz natural, mas também fiz bastante uso de negativo para controlar a luz. Nos interiores, recorri a luz artificial, principalmente skypanels e HMIs, sempre combinados com bastante negativo. Estava bastante limitado em termos de equipamento, devido à localização em São Tomé, onde era difícil trazer material. Com a ajuda do Pedro Machado, o meu gaffer, conseguimos encontrar um equilíbrio entre a luz natural e a artificial. Graças à sensibilidade da câmara, foi possível filmar cenas de exteriores e interiores noturnos com pouca luz artificial. Usei muito fumo para criar textura nos cenários e trabalhei com temperaturas de cor altas, de cerca de 8 mil Kelvin, nas cenas noturnas, criando contraste com a luz de velas, fogo e candeeiros praticáveis.

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aip: De todos os cenários, qual foi aquele que te deu mais luta de iluminar?
 
LF: O cenário mais desafiador de iluminar foi o exterior da praia durante a noite. Devido à limitação de equipamentos, precisei recorrer a um HMI M40, que tive que posicionar em um local de difícil acesso, numa falésia. Graças à coragem e à habilidade do Pedro Machado e da sua equipa, conseguimos colocar o HMI com uma butterfly no topo da falésia, o que me permitiu simular o reflexo da lua na água. Além disso, utilizei um SkyPanel mais próximo dos atores para iluminá-los. Essa localização foi realmente a mais desafiadora de todas.

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aip: Quantas pessoas tinha a tua equipa? E o quanto foram importantes para concluir o projeto?
 
LF: A minha equipa de imagem era composta por três pessoas: um Focus Puller, um segundo assistente e um Video Assist. Já a equipa de iluminação era mista, contando com três profissionais: um gaffer, um spark e um grip, além de outro spark. Cada membro da equipa foi crucial para o sucesso do projeto. O trabalho em conjunto e a colaboração foram fundamentais para superar os desafios que encontramos durante as filmagens, especialmente considerando as limitações de equipamento e as condições da locação em São Tomé. A dedicação e a expertise de todos foram essenciais para alcançar a visão que tínhamos para Banzo.

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aip: A tonalidade que encontraste foi à procura do «period look» a imagem temporal? Trabalhaste isso antes ou depois no grading?
 
LF: Na verdade, não procurei especificamente um “period look”. O processo de criação da tonalidade do filme foi bastante colaborativo, com a participação da Margarida Cardoso e da talentosa Isabel Julien, que foi responsável pelo grading. Trabalhei cuidadosamente na estética de Banzo tanto antes quanto depois do grading, o que me permitiu moldar a aparência do filme de forma a refletir a visão que todos tínhamos. Essa flexibilidade foi fundamental para alcançar a atmosfera desejada, e estou muito satisfeito com o resultado final que conseguimos juntos.

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aip: A composição de imagem como o formato foi estabelecido por ti ou um pedido da realizadora?
 
LF: O formato do filme foi estabelecido por mim, mas a composição da imagem foi um trabalho colaborativo com a Margarida Cardoso. Juntos, discutimos e desenvolvemos a estética visual de Banzo, combinando as minhas ideias com a visão dela para criar uma narrativa visual coesa e impactante. Essa colaboração foi fundamental para alcançar o resultado que desejávamos.

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aip: Para este filme, quais foram as tuas referências?
 
LF: Utilizei inúmeras referências ao longo do processo, contando também com a ajuda do ShotDeck. Entre os filmes que me inspiraram estavam There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson, Silence, de Martin Scorsese, e Badlands, de Terrence Malick, entre muitos outros que não consigo recordar de imediato. Compus um deck de referências com mais de 50 páginas, que serviu como guia visual para a nossa discussão. Tive várias reuniões com a Margarida Cardoso, onde analisamos todas essas referências e decidimos juntos quais os caminhos que queríamos seguir e quais preferíamos evitar. Em várias ocasiões, consegui até encontrar referências específicas para planos isolados que tínhamos em mente, o que facilitou bastante o nosso trabalho colaborativo.
 A experiência de filmar Banzo foi, sem dúvida, um marco na minha carreira. Trabalhar ao lado da Margarida Cardoso, uma realizadora que admiro profundamente, foi não apenas uma oportunidade de crescimento profissional, mas também uma jornada enriquecedora. Cada desafio, desde a iluminação até a composição da imagem, tornou-se uma chance de explorar e expressar a narrativa que desejávamos contar.
 
Estou muito grato pela colaboração da minha equipa, que foi fundamental para alcançarmos a visão que tínhamos. As discussões sobre referências e as decisões criativas que tomámos em conjunto enriqueceram o nosso trabalho. A seleção do filme para festivais como o Camarimage é uma recompensa que valoriza todos os esforços investidos.
 Espero que Banzo ressoe com o público, assim como ressoou conosco durante as filmagens. Cada projeto traz consigo um mundo de novas experiências e vivências, e sou grato por poder fazer parte deste maravilhoso universo cinematográfico.

Lisboa, 23 Outubro de 2024


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